terça-feira, 17 de julho de 2007

CARTA AOS PAIS...

Para a minha querida família,
Estou a escrever-vos a carta mais importante da minha vida, e faço-o agora porque vos sinto muito perto do meu coração, e é porque eu vos sinto tão perto do meu coração, que sinto que vos amo tanto, que tenho que vos dizer a verdade acerca de mim.
Como é que pensam que eu sou? Eu sou tudo o que vocês sabem acerca de mim, tudo o que cada uma vós sabe acerca de mim, mais uma coisa muito importante, e que eu agora revelo: eu sou um homem que é capaz de amar outro homem, ou seja eu sou homossexual.
Desculpem-me se vos choco, talvez o facto de eu próprio não ter aceite a minha própria homossexualidade por muito tempo moldou a minha personalidade. Mas quem eu sou isso não mudou. Tudo o que vocês conhecem de mim não mudou. O que mudou ou mudará é a minha atitude perante mim próprio, tal como mudará a vossa atitude perante mim próprio. E a minha atitude perante mim mudou abrindo-me novas avenidas, novos caminhos na busca da minha felicidade.
Acreditem-me: não é uma escolha. Seria muito mais fácil para mim ser heterossexual. Mas eu preciso de ser honesto para comigo e para connvosco, e se esta é a realidade, porque é que eu haveria de mentir? Só porque causa do que os outros possam pensar? Ninguém escolheu ser heterossexual pois não? Pois bem, eu também não escolhi ser homossexual, e sé é assim que eu sou, o que eu vou fazer é procurar alguem para amar, e para me relacionar de acordo com o que eu acredito que vale a pena: os sentimentos.
Imaginam como foi viver com uma fobia tão grande dentro de mim, que me estava a empurrar e a apagar a minha própria vida, apagando a minha sexualidade. Mas eu não fui capaz de o fazer, porque este tipo de sexualidade existe em 10% das pessoas, de todos os homens e das mulheres. Tal como há uma percentagem da população que escreve com a mão esquerda, ou tem olhos de outra cor. As concepções que a nossa sociedade nos força a aceitar, arrastam-nos para a condenação, e para o preconceito.
Mas eu não sou a minha sexualidade, e não quero ser julgado por ela. A minha sexualidade é apenas uma parte significativa de quem eu sou. Eu não estou a pedir que me compreendam: ninguém quer ser compreendido por que é que escreve com a mão esquerda ou com a mão direita, ou porque é que mede um metro e setenta ou um metro e oitenta. Simplesmente aceita-se que essa pessoa é assim.
Gostaria que me escrevessem e que me dissessem aquilo que pensam mas sobretudo aquilo que sentem, era muito injusto para todos nós se eu não vos dissesse isto, porque eu estava a ser incompleto. Eu sei que estou a arriscar tudo a partir desta carta, mas vocês são quem eu mais amo no mundo e são vocês quem eu guardarei sempre no meu coração aconteça o que acontecer.
Apenas agora eu sou o verdadeiro Carlos para vocês, mas sempre o vosso filho, o vosso irmão, o vosso cunhado, o vosso tio,
Carlos.
(Esta carta foi para o ar no programa Vidas Alternativas da Rádio Voxx (91.6 Lisboa, 90.0 Porto) no dia 19 Julho 2000.)

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