sábado, 9 de fevereiro de 2008

Excertos da vida de um gay ex-toxicodependente em Mogadouro

1999-04-23:
Mas porque caralho é que os ponteiros do relógio hão de giras sempre no sentido dos ponteiros do relógio?
TOXICÓFOBOS – Não sei se a palavra existe, mas aqui há uns poucos-muitos-demasiados…
Eu às vezes digo umas coisas que mais me valeria calar, mas e não falo rebento… acho que é melhor voltar a escrever…
Acho que… nada, nada… tenho de dar a volta a esta merda!
Segundo os toxicófobos locais, se eu me dou com alguém, ou é para com parar ou para vender drogas… Jamais lhes passará pela cabeça que também preciso de amigos, mas que sou eu quem os escolhe, não eles…
“A verdade não deixa de ser verdade por não ser reconhecida”
“Não há princípio sem fim”
(Alguém me sabe explicar como é enquanto a verdade não é reconhecida e o princípio não chega ao fim?!...)
Parece que as pessoas que me receberam “tão” bem quando regressei, foi apenas para se armarem em boazinhas…
Ponto e à parte – Ponto e vírgula – Ponto de Cruz – Ponto de exclamação – Ponto de encontro – Açúcar em ponto –À hora em ponto – Dois pontos : TU TAMBÉM ÉS UN PONTO!!!
Puseram-me a etiqueta de “toxicodependente” com supercola e ninguém se dá ao trabalho de antepor um hipócrita “ex”…. Não importa… Não me sinto nem um “ex” nem um “tóxico; sinto-me eu e sinto-me bem. Sim, enquanto continuar a meter confusão a alguém, continuarei a ser eu, e eu sou assim… Não peço a ninguém que goste de mim porque eu também não gosto de ninguém…
Claro que os meus amigos são poucos, mas esses poucos não são ninguém, são alguém… Eu é que curtia ser ninguém, sem que ninguém se importasse comigo… mas não consigo…
Cada vez que nos queixamos do sítio onde estamos, apenas estamos a queixar-nos de nós próprios.
Se os outros não prestam e eu não sou melhor que eles… isto não vai a lado nenhum…
Será que ao saber o que se quer, se deixa de querer? Pois eu quero continuar a querer mesmo sem saber o que quero, não importa, se quero posso…
Há pessoas que me assustam, e não é pelo tamanho… Há outras pessoas que, apesar do tamanho, não me assustam, mas são as que mais receio…
Nada acontece por acaso, nem o próprio acaso… ou pensavas que eras tu que decidias?!
Acontece que, por acaso, certas pessoas costumam estar no sítio errado, no momento errado, e não há quem se entenda… com toda esta barulheira aqui à volta…
Li que um gajo está a fazer greve de fome contra a “amnistia” do 25 de Abril… se as coisas não melhoram acho que lhe vou fazer companhia…
Isto que estou a pensar, será difícil que saia grande merda… O melhor é fazer o que tem que ser feito e mais nada… Às vezes, normalmente, não sei se escrevo o que penso ou se penso o que escrevo…No meu pensamento vai uma confusão dos diabos e para escrever tem de sair tudo direitinho… É por isso que às vezes as coisas se atropelam e saem como saem… mas estão lá… tu é que tens de as por no lugar se quiseres perceber alguma coisa…para mim está bom assim…
Aclaremos algumas coisas: eu não me pareço nadinha com o gajo que tu vês todos os dias, não!... Nem penses!... Só que a mim dá-me gozo ver como as pessoas me julgam e fazem ideias de mim totalmente erradas… Enquanto ninguém descobrir como realmente sou, poderei preservar a minha personalidade.
A sociedade, quando passas dos trinta, espera que constituas uma família normal e corrente, te vistas de forma normal e corrente, leves uma vida normal e corrente, e que sejas igualzinho aos outros da tua idade, que por sua vez são normaizinhos e correntes como todos os demais… E depois, quando um gajo não tem nada a ver com o lugar onde lhe tocou viver, e muito menos com a merda de sociedade do sítio, vê-se fodido para que o deixem levar uma vida nas calmas, pois toda a gente tem a mania que sabe exactamente como é que um gajo havia de fazer e de ser… Obrigado meu Deus por ser como sou e não ser nada que se pareça com eles, podes crer!
E hoje?... Hoje foi ontem… Amanhã será hoje… E hoje é hoje…. Haja lata!....
Quanto à poeira? Experimenta não experimentar nunca… ou nunca mais…

1999-10-19:
Isto é assim: continuo no mesmo sítio e com as mesmas paranóias de sempre… O facto de não dizer nada durante tanto tempo não significa que às vezes não me apeteça… mas a minha preguiça é infinita!...
Cada vez me pareço menos comigo próprio, mas como não me pareço com ninguém que eu conheça… é apenas mais uma das minhas brincadeiras para quebrar a rotina…nada.
Ao fim e ao cabo, eu faço o que me apetece… o problema é que cada dia me apetece fazer menos…
Às vezes apetece-me parar para pensar, para pôr as ideias no lugar, ou até para ver se mudo de ideias, mas não adianta… já o fiz e apenas consegui pôr as minhas próprias ideias no lugar e ter a certeza de que é assim mesmo e de que é uma perda de tempo, de que é muito melhor viver sem parar… sem pensar… apenas viver…
Viver… estar cá? Deixar-se andar? Curtir a vida? Ganhar dinheiro?... O que é que será?!... Será dormir?...
Constantemente me tento consciencializar de que já sou grande, que já não sou nenhum puto, mas algo me grita cá dentro que eu quero ser sempre um puto, completamente irresponsável… Por isso continuo a passar pela vida como se não fosse de cá… como se a vida não fosse minha… ao ponto de às vezes me perguntar que caralho faço aqui… aqui ou noutro sítio qualquer…

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